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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Garrafas pet


Morador de Magé, às margens da Baía de Guanabara, no estado do Rio, o comerciante Célio de Oliveira, 49 anos, viu sua inventiva casa de plástico ser destruída durante um temporal. Mas não desanimou. Descobriu que a solução estava bem ao lado, nas milhares de garrafas PET que boiavam na Baía de Guanabara. Com a ajuda de 12 crianças, reergueu a casa – hoje principal atração para quem passa por ali. Dessa vez, Célio tomou o cuidado de colocar areia nos tijolos (garrafas PET) da casa. A coleta faz com que, pelo menos nesse pequeno pedaço da Baía, as praias se mantenham limpinhas, sem vestígio de lixo.

Símbolo para a reciclagem na região, a casa é fruto do ArteMangue, projeto de Célio que teve início em julho de 2001. Suas paredes guardam o segredo: foram erguidas com 10 mil garrafas PET recolhidas da Baía. Apesar de não servir de moradia a nenhum de seus construtores, a obra é especial por ser um dos resultados dessa iniciativa "social e ambiental".

Autor da proposta, o comerciante explica: "Social, porque tiro as crianças das mãos da marginalidade. E ambiental, porque elas aprendem a recolher, separar e fazer arte com o lixo da Baía de Guanabara, preservando o meio ambiente".

Nem bala destrói

Uma das peças artísticas preferidas das crianças é, sem dúvida, a casa de número 22 - "22 porque é coisa de maluco", explica Célio, lembrando o código penal. A prova de bala e resistente à chuva e ao fogo, a casa mostra que o problema do lixo tem porta de entrada, mas também de saída.
"A gente se viu tão abarrotado de material que, passados quatro meses de atividades, decidimos construir uma casa. Primeiro fizemos com garrafas vazias. Mas o temporal, em agosto de 2001, derrubou tudo quando ela estava quase pronta", diz Célio. Incentivado por Oséas do Nascimento, de 15 anos - "peão, não vamos desistir", disse o menino, ao ver a casa desabada – e pelas outras crianças, Célio teve a idéia de encher as garrafas de areia. Cada um ficou com a tarefa de encher 25 por dia. "Quando fomos ver, não eram mais garrafas, mas tijolos. Elas pesam, em média, 3 quilos e meio", calcula.

O comerciante passou um ano trabalhando duas horas por dia na construção. Para testar a resistência da casa, pediu a ajuda de um amigo da polícia. Armado com uma PT 380, ele atirou contra uma barreira de garrafas cheias de areia. "Não passou uma bala. A areia também impede que o fogo se alastre e deixa as garrafas mais consistentes para a construção", conta.

Dono de um bar na praia de Piedade, pertinho da casa, o comerciante teve a idéia de envolver as crianças no trabalho ambiental a partir de uma notícia triste: a descoberta do destino de vários meninos que faziam parte de um time de futebol, 12 anos depois. "Quando soube que, desse time, dois morreram, três foram presos e outros viraram drogados, fiquei muito tocado. Pensei que talvez isso não tivesse acontecido se eu tivesse dado alguma assistência a elas", lembra.


Espírito de gincana
Decidiu partir para o ataque. E foi em busca de futuros "agentes ambientais" na escola pública da região, o Colégio Estadual Adalberto Gomes Pinto Ferraz. "Não fiz nenhum tipo de seleção, aqui não há discriminação. Tem da criança mais aplicada até a mais levada" diz ele que, limitado pelos recursos financeiros, teve que fechar o grupo com 12 participantes. "Já fui aos órgãos públicos levar o projeto, mas ele foi engavetado. O único grupo que nos apoiou, oferecendo um ano de cesta básica para as 12 famílias das crianças participantes, foi o NOVA - Ação Social do Estado do Rio de Janeiro. Mas acho que este ano vai ser mais difícil. Talvez tenha que voltar a pedir leite no pires, ajuda voluntária das pessoas, como fiz no início do projeto", conta Célio, integrante da Associação Mageense de Defesa do Meio Ambiente - AMA.

Enquanto a ajuda não chega, o comerciante tira do próprio bolso para pagar o café da manhã das crianças - feito de pão com manteiga, leite e vitamina. Fora do horário do ArteMangue (de segunda à sexta-feira, das 8h às 11h), as crianças podem vender os objetos que produzem com o lixo. Isso, é claro, sem faltar a escola. "Acompanho as notas e a freqüência deles na sala de aula", diz Célio.

A atividade ambiental tem espírito de gincana. A assiduidade na escola e no projeto contam pontos. "Estabeleço uma meta de 150 garrafas para eles catarem por dia. Eles catam tudo em meia hora, para você ver como a nossa Baía está suja", observa. A cada manhã, as crianças têm uma tarefa diferente: "Tem dias em que eles fazem trabalho com arte, tem dias que recolhem materiais de plástico, de vidro, e assim por diante. Eles aprendem que não tem nada que não se aproveite. Um pneu velho, por exemplo, pode servir para cercar um coqueiro", explica.

Bicicleta como prêmio
No ano passado, o primeiro colocado nas atividades foi Oséas do Nascimento, premiado com uma bicicleta. Oséas gosta tanto do que faz que não se imagina deixando o ArteMangue. "O trabalho tira a gente da rua, não deixa fazer coisa errada", observa ele, que deu de aniversário para a mãe uma luminária de garrafa PET. "Antes desse trabalho, não me preocupava com o meio ambiente", confessa. Célio destaca os conhecimentos que Oséas adquiriu na construção da casa, que tem banheiro, quarto, sala, rede de esgoto e luz elétrica: "Depois da construção, ele está pronto para resolver qualquer problema na parte elétrica da casa dele", elogia.

Já Flávio dos Santos, 17 anos, gosta tanto do projeto que fez um curso de paisagismo na Universidade Católica de Petrópolis e retornou a Magé para aplicar os conhecimentos no jardim da casa de garrafas PET. "Fiz até o curso com ele, para não ficar para trás", revela Célio, que se diz paisagista, arquiteto e desenhista. "Tenho o segundo grau técnico, em administração de empresas. Mas aprendo tudo fácil, vendo os outros fazerem", garante.

Sobre suas origens, Célio também responde com criatividade: "Sou baíano, nasci no meio da Baía de Guanabara, em Paquetá. Com um ano de idade me mudei para Magé". O envolvimento com o meio ambiente vem de longa data. Seu primeiro negócio, aos 17 anos, foi montar um depósito de garrafas. "Naquela época, as garrafas ainda eram de vidro. Mas sempre consegui ver arte nas peças do lixo", lembra ele. Hoje, espera ensinar isso às crianças.

"O pouco que eu sei, é muito para eles. Levei uma vida sacrificada, já passei fome, via meus pais trabalhando e as condições não melhoravam. Lutei para nunca precisar ser empregado de ninguém. Já fui caseiro do Magé Tenis Clube e hoje meu filho é sócio. Tudo fruto do meu trabalho". Exibindo orgulhoso uma carta de uma das crianças, que diz "você é o pai que eu não tive", o comerciante conta que gostaria de poder dar aos 12 integrantes do ArteMangue o que oferece ao próprio filho. "Faço o que posso para ajudá-los".
É verdade. Conseguiu, por exemplo, uma bolsa numa escola particular para Elton Oliveira, de 10 anos, o Bocão. "O menino é tão inteligente que, no segundo dia de aula, a escola se ofereceu para pagar também o lanche dele, dando R$ 15 mensais. Ano passado, consegui, na mesma escola, uma bolsa de 4 meses para eles fazerem curso de informática ", diz Célio.

Não são todos que embarcam no seu carisma. "Já ouvi muitos pais dizerem que seus filhos não estavam passando fome e não iriam trabalhar no projeto", conta. Apesar disso, a casa feita de materiais retirados da Baía atrai cada vez mais visitantes, moradores, curiosos e estudantes para o projeto. "Tive uma proposta de construir outras casas como esta num sítio ecológico aqui em Magé. E pretendemos construir este ano uma traineira e pedalinhos para as crianças brincarem e realizarem as atividades" , planeja.

Material é o que não falta no depósito, logo ao lado da construção. Segundo o comerciante, daria para construir mais de dez casas. Mas ele é categórico: "Ainda que eu quisesse vender, o valor da garrafa seria insignificante. Prefiro que elas fiquem ali mesmo, para afrontar as autoridades". O mobiliário também foi encontrado nas águas e areias da Baía. O tapete da entrada é feito de chapinhas de garrafa de refrigerante. O caminho que leva até a porta é feito de um piso muito chique, de restos de fundo de pia, que seriam jogados fora por uma marmoraria. Na sala, existe uma legítima mesa de centro - a estrutura é feita de bambu e o tampo, em formato abaulado, é um monitor de televisão de 23 polegadas.
"É mesa de centro, mesmo. Só pode colocar o copo no centro, senão ele cai", brinca Célio. As paredes, feitas com garrafas coloridas, têm até decoração. Duas máscaras de casca de coco poderiam muito bem ser vendidas em lojas chiques de artesanato. Outro enfeite curioso é uma espécie de escultura. Cada um vê uma imagem. "Suponho que alguma firma de fiação tenha derretido um feixe de fios e ficou assim", diz ele, apontando para o objeto. "Virou uma peça de arte".

A estrutura do sofá, assim como da cama, e a divisória do box, no banheiro, também são feitos de garrafas PET. No quarto, uma velha geladeira sem portas ganhou prateleiras de bambu e virou um simpático guarda-roupa. "Têm pessoas que não sabem que o lixo que catei delas virou luxo para mim", poetiza Célio, que apesar de não morar na casa já passou três dias no final do ano passado no local, com a família.

Tamanha dedicação ao projeto fez Marli de Oliveira, mulher de Célio, implicar com a iniciativa: "Tive ciúmes porque ele ficava menos tempo em casa. Mas agora eu dou o maior apoio, acho o trabalho muito importante". Mas o ArteMangue não é um conto de fadas. Célio ainda precisa de recursos.

"Qualquer apoio será bem-vindo. Pode ser até um livro de história para as crianças", diz. O projeto, porém, anda inspirando muita gente. Como a estudante de Pedagogia da UnigranRio, em Duque de Caxias, Patrícia Maia, 30 anos. Para fazer um trabalho final de Educação Ambiental sobre o lixo, Patrícia decidiu falar da casa de garrafas de Célio. O grupo ficou tão entusiasmado que resolveu fazer um vídeo. "A idéia foi mostrar que uma pessoa pode se integrar na sociedade por meio do trabalho com o lixo. E o projeto um excelente exemplo disso", diz Patrícia. O vídeo fez o maior sucesso.
http://www.ecopop.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=6&tpl=printerview&sid=5

3 comentários:

  1. MUITO LEGAL AMEI A
    IDEIA,TODOS DEVERIAMOS ADERIR....

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  2. a idéia é muito boa, fico me imaginando imitando os criadores, PARABENS!!!

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  3. Pessoas como o Célio que estamos precisando imitar hoje em dia numa sociedade individualista e materialista que só pensam em interesse próprio, se cada um fizesse um pouco com certeza num futuro bem próximo estaríamos vivendo num mundo melhor com mais sustentabilidade, onde nossos filhos e netos pudessem contemplar uma natureza mais conservada,queria saber como faço pra conseguir o contato ou endereço para conhecer este grande Homem e tentar de alguma forma tentar ajudar ou participar deste grande projeto.

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